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A Fantástica Fábrica de Chocolate [Roald Dahl]

À la française 23 de maio de 2011 Aline T.K.M. 10 comentários

O post de hoje traz um livro com uma história MUITO conhecida por todos, seja pelo próprio livro ou pelas 2 versões cinematográficas dele. Trata-se de A Fantástica Fábrica de Chocolate, de Roald Dahl. Mas a leitura na qual me baseio ao escrever a resenha é a versão francesa do livro – Charlie et la Chocolaterie – que revela-se também um ótimo material para estudantes de língua francesa.

Mr. Willy Wonka est le plus incroyable inventeur de chocolat de tous les temps. Son usine, la chocolaterie Wonka, doit être un endroit vraiment magique !

L’extraordinaire histoire du jeune Charlie Bucket commence le jour où il gagne l’un des cinq tickets d’or permettant de visiter la mystérieuse fabrique du confiseur. Mais il est bien loin d’imaginer les folles aventures qui l’attendent...

Ninguém sabia o que acontecia dentro daquela fábrica de chocolate. Tinha gente trabalhando nela, claro, mas ninguém entrava e ninguém saía. Só saiam os doces e os chocolates, bem embrulhadinhos, prontos para serem vendidos.

Um dia, os portões da fábrica se abriram para cinco felizardos ganhadores do Cupom Dourado - e o mistério se desvendou.

O leitor é convidado a conhecer o rio de chocolate, a grama de açúcar mentolado, os caramelos de cabelo e mil outras delícias - tudo isso na companhia do incrível Sr. Wonka, o dono da Fantástica Fábrica de Chocolate.

Apesar de ser um livro claramente voltado ao público infanto-juvenil, ele tem tudo para agradar aos adultos também – em especial os que consideram o primeiro filme parte essencial de sua infância.

O livro fala sobre valores e comportamento, tudo muito bem encaixado nas características das personagens infantis que, de tão caricatas, chegam a ser hilárias. Aliás, todas as personagens do livro possuem essa característica caricata (também por tratar-se de um livro infanto-juvenil) e sempre fica muito claro quem é mocinho e quem é vilão. Willy Wonka é uma atração à parte; assim como nos filmes, no livro ele tem algo de levemente sarcástico, alguma malícia não óbvia, mas claro que em nível muito menor do que vemos nas versões cinematográficas. É difícil de saber se o colocamos na coluna dos bonzinhos ou na dos malvados, já que ele tem características de ambas. Eu diria até que ele é o único personagem verdadeiramente adulto (e real) do livro; mesmo os outros adultos (os pais e avós de Charlie e os pais das demais crianças) mostram sinais de uma personalidade mais simplificada, mais simples de ser compreendida.

O texto fácil e claro faz com que o livro possa ser lido em um único dia (pelos mais ávidos e com tempo). Além disso, a edição francesa que li (da Gallimard Jeunesse) traz as ilustrações de Quentin Blake, que ilustrou também outras obras de Roald Dahl. Seus traços simples ganham a simpatia do leitor e proporcionam um aspecto ainda mais lúdico à obra. Um super ponto positivo!

Algo que me surpreendeu um pouco foi perceber que o segundo filme (a formidável versão de Tim Burton, de 2005) é mais fiel ao livro que o primeiro filme, dirigido por Mel Stuart em 1971. Apesar disso, eu sempre preferi o filme antigão, que nos mostra um Willy Wonka muito mais irônico, e por vezes até cruel. Sem falar que os Oompa Loompas da primeira versão e suas musiquinhas são muito mais “cool”.  ;-)

Por falar nas musiquinhas... SIM, elas aparecem no livro!! Achei particularmente genial e, com certeza, é um dos pontos altos do livro.

Em suma, é um livro encantador, divertido e que traz importantes mensagens. Um livro mágico, como só Roald Dahl pode conceber. Penso que todo mundo deveria lê-lo em algum momento da vida.

Sobre a leitura do livro em francês, devo dizer que é excelente para a prática do idioma. Eu o recomendaria principalmente aos estudantes de nível intermediário, que já possuem algum conhecimento dos tempos verbais, para uma leitura mais rica (no site da editora, o livro é indicado à faixa etária dos 9 aos 13 anos). A leitura é simples, e é possível de ser feita mesmo sem o auxílio do dicionário (muitas palavras podem ser perfeitamente compreendidas pelo contexto). Para quem tiver interesse, acredito que o livro possa ser encomendado na Livraria Cultura ou na Saraiva.

Edição lida: Charlie et la Chocolaterie, de Roald Dahl, Gallimard Jeunesse, 2007.

Para alimentar um pouquinho a nostalgia...



Apesar de preferir a versão mais antiga, também gosto bastante da versão de Tim Burton (que, aliás, está entre meus diretores preferidos).


Título: A Fantástica Fábrica de Chocolate
Autor(a): Roald Dahl
Ano da obra: 1964

Ninguém Me Verá Chorar [Cristina Rivera Garza]

Cristina Rivera Garza 6 de maio de 2011 Aline T.K.M. 4 comentários

Joaquín Buitrago, ex-fotógrafo de prostitutas e retratista no sanatório de La Castañeda nos anos 1920, acredita ter identificado numa das pacientes, Matilda Burgos, uma prostituta que ele encontrara anos atrás num dos prostíbulos da capital mexicana, La Modernidad.
Sua obsessão em confirmar a identidade de Matilda faz com que ele tenha acesso às fichas médicas dela. Joaquín, então, descobre as origens da paciente, assim como fatos e experiências determinantes na vida dela. Quanto mais o fotógrafo vai conhecendo a vida de Matilda, mais se convence que eles devem tentar viver juntos.
Estamos num México convulsionado por revoluções, no qual o velho e o novo lutam por seu espaço, e no qual a injustiça brilha sobre quem quer mudar o mundo para melhor. Este entorno é o cenário no qual os personagens desgraçados, perfeitamente perfilados pela autora, vêem evaporar seus sonhos, um atrás do outro, numa tragédia íntima que molda a realidade cultural, não somente do México, mas de grande parte da América Latina.


Quando achei esse livro, novinho, em um sebo, fui atraída primeiramente pela capa (que considero bela e singular). Nunca havia ouvido falar nele e tampouco conhecia a autora, mexicana. Mas ao ler a sinopse foi inevitável não levá-lo comigo! Por motivos diversos, mas principalmente por falar sobre o México unindo ficção e realidade, história. Não me arrependi, e considero este livro um pequeno tesouro que jamais sairá da minha prateleira!
Devo começar dizendo que Ninguém Me Verá Chorar não é um livro de leitura muito fácil. Não há tantos diálogos e os capítulos são bastante extensos. Apesar disso, me agradou bastante a linguagem, a forma como a autora nos faz descobrir as etapas da vida de Matilda Burgos. No livro, passado e presente intercalam-se o tempo todo, e algumas vezes fica difícil se situar durante a leitura. Mas isso definitivamente não chega a ser um ponto negativo, uma vez que está ligado intrinsecamente ao jeito como a história nos é mostrada, e não consigo imaginar o livro escrito de outra forma senão essa.

Cada personagem possui personalidade e desenvolvimento excepcionais. É difícil não se envolver. Merecem destaque as fichas médicas ao longo da história (mais precisamente no capítulo 3) que nos contam um pouco de alguns internos do La Castañeda, inclusive com passagens em primeira pessoa, relatos.

Outro ponto que merece ser mencionado é a forma como se mesclam as histórias individuais dos personagens e o momento histórico do México de então, os conflitos políticos, as perseguições. Somos levados para dentro do livro e quase podemos ver diante de nós o que nos é descrito com maestria pela autora. Apesar da história da protagonista ser fictícia – segundo a autora, uma reconstrução livre, fruto da imaginação – a obra é baseada em relatórios clínicos, documentos oficiais, cartas de internos do Manicômio Geral (conhecido como La Castañeda). A autora explica nas notas finais do livro: “Os dados históricos sobre o mundo das ruas, do manicômio e outras instituições de controle social no México porfiriano e na alvorada da pós-revolução provêm da minha tese de doutorado em história latino-americana.”

Achei particularmente interessante a relação entre Joaquín Buitrago e o médico Eduardo Oligochea (que foi cúmplice ao fazer com que Joaquín tivesse acesso à ficha médica de Matilda). Joaquín, durante todo o tempo, sabia que uma relação de amizade seria necessária para chegar ao seu objetivo; Eduardo, hermético e sistemático, se resguardava tão bem quanto ouvia tudo com paciência. Acho este trecho abaixo um bom exemplo para ilustrar tudo isso:
O médico residente não o interrompe. “Sou todo ouvidos.” Dentro dele, alinhadas numa ordem rigorosa, suas próprias emoções estão a salvo. Mudas. Não quer despertá-las. Não tem interesse em compartilhá-las. Se algo aprender nos manuais de anatomia, com as camas imundas dos hospitais, diante do pus e da peçonha da morte, é guardar sob a pele, bem escondido, o pronome eu. Os encontros com Joaquín lhe agradam porque podem transcorrer na terceira pessoa.

Esse outro trecho abaixo, acho-o ótimo para termos uma ideia do La Castañeda. 
O manicômio tem vinte e cinto blocos espalhados em 141.662 metros quadrados. Dentro, protegidos por altos muros e grades de ferro, os loucos e as castanheiras projetam suas sombras sobre lugares afastados do tempo. O manicômio é uma cidade de brinquedo. Tem guaritas, ruas, enfermarias, cárceres, moradias. Há tumulto, rixas, tráfico de cigarros e narcóticos, tentativas de suicídio. Há oficinas onde os homens fabricam esquifes e tapetes sem ferir as mãos com pregos e sem cortar as veias. Não recebem salário. As mulheres lavam os uniformes azuis até deixá-los desbotados e, nas oficinas de costura, fazem mantas e ponchos, remendam camisas e lençóis puídos. Há poetas escrevendo cartas a Deus; mecânicos, farmacêuticos, policiais, ladrões, anarquistas que renunciaram à violência. Acontecem histórias de amor. Melancolia calada. Classes sociais. Desespero que se expressa com gritos. A dor não acaba nunca.

Matilda Burgos é um enigma a ser decifrado ao longo do livro. Incompreensível em meio ao labirinto de sua própria vida, mas ao mesmo tempo de uma vulnerabilidade não óbvia. Chego até mesmo a pensar (mesmo não me sentindo no direito de tirar tais conclusões), que se Matilda tivesse aprendido a enfrentar e compartilhar suas perdas, sua dor, seu caminho teria sido outro, talvez nunca tivesse ido parar em um manicômio.

Colecionou suas lembranças e, uma a uma, as guardou em um lugar oculto. Depois, fechou a porta e colocou-lhe o cadeado do silêncio. “Ninguém me verá chorar. Nunca.” Mais que a própria dor, Matilda temia a compaixão alheia. Desde muito antes e sem saber havia decidido viver todas as suas perdas sozinha, sem a intromissão de ninguém, às vezes nem de si mesma.

Nem preciso dizer que adorei o livro, inclusive fiquei bastante interessada em ler outras obras de Cristina Rivera Garza. E com certeza o farei!

Por fim, durante toda a leitura, fui surpreendida e deleitei-me com belas frases, cheias de significados não escancarados, mas que fazem pensar e concordar. Deixo algumas dessas frases aqui:

Nos edifícios da linguagem sempre há corredores sem luz, escadas imprevistas, sótãos ocultos atrás das portas fechadas, cujas chaves se perdem nos bolsos furados do único dono, o soberano rei dos significados.


Há certas conversas que só podem se realizar em silêncio.


O abraço que antecede o amor, no qual o amor culmina, é tépido como uma brisa, escuro como uma mina. Uma fotografia.

Título: Ninguém Me Verá Chorar
Autor(a): Cristina Rivera Garza
Ano da obra: 1999

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