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O Boxeador Polaco [Eduardo Halfon] #resenha

Autoficção 28 de abril de 2016 Aline T.K.M. Nenhum comentário


Considerado um dos melhores escritores hispano-americanos da atualidade e traduzido em diversos idiomas, o guatemalteco Eduardo Halfon é autor e narrador-personagem dos contos que compõem O Boxeador Polaco – mais um título indispensável da Coleção Otra Língua, de autores latino-americanos, publicada pela editora Rocco.

Os cinco contos – e também o discurso no final do livro – lançam um olhar à literatura e ao encontro desta com a realidade, com a vida, as pessoas e o mundo. Na esquina em que o racional e o poético se encontram, é aí que Halfon se instala para contar suas histórias.

Ao contrário do que a princípio se pode imaginar, a fartura de referências literárias não intimida; com tom metaliterário despretensioso e sem cair no extremo do intelectual, o autor usa tais referências para mostrar como a ficção influencia a vida e a maneira como a percebemos.

Exemplo disso é a garota Annie Castillo, de “Distante”, a primeira história do livro, que admite não ter gostado de um conto de Maupassant justamente por ter se identificado demais com o protagonista. Assim como o personagem do clássico francês, a garota não sabe lidar com a própria solidão. “Suponho que odiamos aquilo que somos” é o que ela diz em um e-mail ao professor Halfon. Também o personagem central de “Distante” tem uma forte ligação com a literatura. Trata-se de um jovem com um dom para a poesia, mas que passa por dificuldades que o impedem de continuar os estudos.

O universo acadêmico aparece com certa frequência nas tramas. Em “Twaineando” – assim como em “Distante” – Eduardo Halfon é um professor universitário que viaja aos Estados Unidos para participar de uma conferência sobre Mark Twain. Apesar de seu interesse sobre o tema, permanece afastado de tudo e de todos; essa barreira só revela uma brecha ao se aproximar de um senhor já idoso e grande conhecedor da literatura de Twain.

“Fumaça Branca” traz Eduardo Halfon em um bar, onde conhece uma jovem garota israelense que acabara recentemente o serviço militar. Ouvindo os Bobs (Marley e Dylan) e trazendo à memória um poema de e.e. cummings, ambos falam sobre tomar ácido e engatam uma breve conversa sobre o divino.

Em “Epístrofe” o assunto trilha o rumo das artes, mais especificamente, da música. No conto, o protagonista e a mulher, Lía, fazem amizade com um pianista clássico um tanto incomum.

“O boxeador polaco”, que empresta o título ao livro, é sem dúvida o conto mais memorável. Mexendo com a memória e com a dor, Halfon (o personagem) narra a história de seu avô – inspirado no próprio avô do autor – que, depois de uma vida inteira em silêncio, decide contar como sobreviveu ao campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial graças à ajuda de um boxeador polaco. De maneira sensível mas curiosa, Halfon nos conta que acreditava, em menino, que aqueles cinco dígitos tatuados no antebraço esquerdo do avô nada mais eram que um lembrete de seu número de telefone.

Por fim, em “Discurso de Póvoa”, Eduardo Halfon – desta vez o autor – discorre sobre o que é a realidade e como contá-la por meio da literatura. Tem lugar, então, uma reflexão sobre o vínculo entre literatura e realidade, regada por um filme de Ingmar Bergman em uma noite de insônia e pela memória do avô – aquele mesmo avô que sobreviveu a Auschwitz. Reflexão cuja origem se encontra no tema de um encontro literário, “A literatura rasga a realidade”, recebido por e-mail pelo autor algumas semanas antes.

Ao mergulhar no livro – e, portanto, no mundo – de Halfon, duas coisas chamaram minha atenção. A primeira delas foi a simplicidade da narrativa, salpicada aqui e ali por um humor não óbvio e livre de exageros emocionais. E aí está justamente o segundo aspecto que me atraiu: Eduardo Halfon consegue trazer temas sensíveis – Auschwitz, ou o jovem talentoso que precisa largar os estudos – e enveredar por discussões com tom filosófico sem, no entanto, despejar uma enorme carga emocional no texto. Há leveza na maneira como ele conduz suas histórias e o leitor tem papel fundamental nas conclusões finais, na digestão daquilo que acaba de ler.

Além da busca por respostas e pelas próprias origens, as histórias em O Boxeador Polaco são marcadas por encontros – com o outro e consigo mesmo. E, permeando cada um deles, há o contato entre o poético e o racional. Arte e mundo, literatura e realidade – qual é o vínculo entre eles? Como é que a literatura alcança a realidade, ou é a realidade que alcança a literatura?

Se existe uma resposta definitiva, não sei dizer, mas tomo emprestadas as palavras do próprio Eduardo Halfon nesta que considero uma espécie de explicação bastante justa: “A literatura não é mais que um bom truque, como o de um mago ou um bruxo, que faz a realidade parecer inteira, que cria a ilusão de que a realidade é única. Ou talvez a literatura precise construir uma realidade destruindo outra (...), isto é, destruindo-se a si mesma e depois construindo-se de novo a partir de seus próprios escombros. Ou talvez a literatura, como sustentava um velho amigo do Brooklyn, não é mais que o discurso atropelado e ziguezagueante de um gago”.

LEIA PORQUE...
Essa discussão sobre literatura e realidade dá pano para manga e faz a gente pensar. Além disso, há diversas referências literárias – imagino que muita gente, assim como eu, adora ler livros que falam de outros livros e autores.

O posfácio, assinado por Antônio Xerxenesky, aborda brevemente cada um dos contos e toca de leve na questão “literatura e realidade”.

DA EXPERIÊNCIA...
Leitura de poucas sentadas. Fiquei muito satisfeita pela chance de ter lido Halfon, de ter tido contato com sua obra – um autor que eu não conhecia e que hoje tem portas abertas na minha estante. Terminei a leitura amando ainda mais a Coleção Otra Língua.

FEZ PENSAR EM...
Vergonha (Skammen), filme de Ingmar Bergman citado por Halfon enquanto discorria sobre realidade e literatura.

QUANTO VALE?

Título: O Boxeador Polaco
Título original: El Boxeador Polaco
Autor(a): Eduardo Halfon
Tradução: Lui Fagundes
Posfácio: Antônio Xerxenesky
Editora: Rocco – Coleção Otra Língua
Edição: 2008
Ano da obra: 2014
Páginas: 128
Onde comprar: Extra | Casas Bahia | Livraria da Folha

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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